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domingo, 23 de janeiro de 2011

Por que não sempre?

por Henrique Alves


Pintor: William Adolphe Bouguereau
Tema: Dia dos Mortos
Ano: 1859


AGORA

Se queres dar-me uma flor;
Dá-me antes que eu morra...
Se podes hoje fazer o milagre
De um sorriso num rosto que chora,
Não coloques flores sobre tumbas;
Se queres dar-me uma flor, faze-o agora.

Se podes dar um lar ao orfãozinho,
Abrigo ao pobre que geme lá fora,
Não encolhas a mão - Deus está vendo;
Se podes dar-me uma flor, faze-o agora.

Se conheces o Eterno Caminho
Que leva ao templo onde a alegria mora,
Não guardes, egoísta, o teu segredo;
Se podes dar-me uma flor, faze-o agora.

Se podes dizer uma frase linda
Algo que faça a tristeza ir embora,
Dize-a enquanto posso agradecer sorrindo;
Se podes dar-me uma flor, faze-o agora.

O que farei das orações, das flores
Quando do mundo eu já não mais for?
Aos pés de Deus eu as terei tão lindas
Que não precisarei do teu amor.

Não esperes o instante da partida:
Se podes me fazer feliz, faze-me agora.
Para que chorar de remorso e saudade?
Custa tão pouco a felicidade:
Dá-me uma flor antes que eu vá embora.

Myrtes Matias

A Myrtes foi uma das pessoas mais doces que conheci. Um dos momentos mais poéticos e inspirativos de minha pobre vida foi quando, na minha adolescência, numa pequena sala de um prédio em Niterói, ouvi essa terna poetisa declamar Agora. Foi mágico; arrebatador; absurdamente etéreo. Sempre tento voltar àquele dia. Ela estava emoldurada por um ramalhete de flores e trazia uma rosa presa aos delicados e expressivos dedos. Voz mansa, quase sussurrante, meio suplicante, enfim, um anjo.

Hoje ela é anjo de verdade. Tem todas as rosas aos pés Daquele por quem viveu. Em restrospecto, gostaria de ter-lhe oferecido flores. Mas em minha egoísta solidão adolescente nem dei por isso. Apenas fiquei ali, olhando, sabendo que alguma coisa tinha acontecido em mim, que me mudara, me redesenhara, me matara e fizera reviver. Tudo naquela tarde, naquela sala, naquele momento. Myrtes não sabe, mas despertou em mim o desejo de ser melhor. De fazer as coisas certas. De respeitar os sentimentos dos outros e, do nada, bem do nada, oferecer flores de atenção, carinho, ternura. Ensinou-me a me negar para não magoar; a deixar de lado o mórbido prazer de me divertir com as caras e bocas daqueles a quem manipulo. Curioso é que só compreendi isso numa espécie de anamnese. Tive de desentranhar aquele dia dos arquivos da mente e desdobrá-lo como um mapa numa mesa de campanha. Fui seguindo a linha tracejada até dar no ponto maculado de vermelho, bem no meio do mapa. Vermelho das rosas, das vergonhas pelo que me tornei e do sangue derramado por mim em nome do prazer de me satisfazer.

Acho que talvez existam mais rosas hoje do que havia no tempo de Myrtes. Mas quem as recebe? Quem as dá? Onde vão parar que não as vejo por aí? Nas entoalhadas mesas de jantares sofisticados? Em sepulturas de quem, em vida, jamais sentiu o aroma de uma flor? Ou nos salões de mansões onde não mora a felicidade? Sei não! Só sei que não as vejo. Aliás, faz muito tempo que não vejo uma rosa. Nunca ganhei uma. E como gostaria de recebê-las! Nâo só rosas. Mas igualmente ternura, aconchego, ombro, sorrisos nos olhos, acenos complacentes, e só um pouco mais de compreensão. Não foi Cartola quem disse que as rosas não falam? Pois falam sim, seu Cartola! Falam de amor, de ternura, de cuidado, de pequenas coisas que fazem da vida uma estrada mais suave de ser palmilhada. Por favor, dê-me uma rosa antes que eu vá embora!

henrique alves

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